A fascinante série "Gambito de Dama", que seguiu a história de Beth Harmon e as suas emocionantes batalhas de xadrez, representadas por uma série de cenários extraordinários baseados em papéis de parede icónicos, tomou o mundo de assalto. Tendo tido a honra de fornecer alguns desses papéis de parede, não resistimos à oportunidade de nos sentarmos a conversar com Sabine Schaaf, a visionária cenógrafa por detrás deste projeto. Esta entrevista exclusiva abre as portas sobre o processo criativo que deu vida à estética visual inesquecível da série.
Pode-nos dar algumas informações sobre o seu papel como cenógrafa na produção da série "Gambito de Dama"?
O meu cargo oficial é "decoradora de cenários" e a minha principal tarefa é tratar de tudo o que tem a ver com a decoração dos cenários. Isto significa literalmente tudo, desde o papel de parede ao mobiliário, incluindo candeeiros, tapetes, cortinas, mas também objetos decorativos como quadros, plantas e prateleiras. É preciso saber que a maior parte das salas em que filmámos se encontravam inicialmente vazias. Tudo o que se vê no ecrã teve de ser levado para o local, instalado e decorado por nós e, uma vez terminadas as filmagens, tivemos de desmontar, empacotar e levar tudo de volta para o armazém de aluguer de adereços, onde obtemos grande parte dos elementos que utilizamos. Podemos pensar nesta operação como uma grande mudança de casa, uma e outra vez. O nosso designer de produção, Uli Hanisch, prefere filmar em locais reais do que em estúdios. No "Gambito de Dama", por exemplo, o orfanato que se vê no primeiro episódio é, na realidade, uma velha vivenda vazia nos subúrbios de Berlim, ou a cave onde Beth aprende a jogar xadrez com o Sr. Shaibel, que faz parte de um gabinete governamental no bairro berlinense de Neukölln.
Quais são as principais considerações que foram tidas em conta na conceção dos cenários? Como é que equilibraram o rigor histórico com a licença criativa na conceção dos sets de filmagem?
O ponto de partida é sempre o guião, já que a história que conta me permite começar a criar imagens espaciais. Estas são depois desenvolvidas com o meu designer de produção, delineando os desafios e os requisitos do projeto. Para a série "Gambito de Dama", um fator-chave foi a diferenciação visual de motivos recorrentes (avião, quarto de hotel e torneio de xadrez) nos vários países que Beth visita à medida que avança na sua carreira. Em termos de cores, formas e mobiliário, quisemos diferenciá-los o mais possível. Ao mesmo tempo, quisemos também nos certificar de que havia elementos unificadores, como os quadros em todos os quartos de hotel que representavam exclusivamente mulheres, como se estivessem a apoiar Beth no mundo do xadrez, e que, de outra forma, seriam dominados por homens.
Quando se trata de ser historicamente correto, gosto de citar o ditado "é preciso conhecer as regras para as quebrar". Utilizo frequentemente pequenas imprecisões históricas porque completam o cenário ou, por vezes, o perturbam. É tudo um jogo de equilíbrio. Penso que o nosso segredo (que já não é segredo) é trabalhar contra os hábitos comuns de visualização. Tendemos a usar a expressão "bom gosto" de forma um pouco depreciativa e não queremos mesmo ser isso. O que pretendemos é irritar suavemente os espectadores e agarrá-los pela mão quando tropeçam nas nossas irritações de bom gosto. É muito divertido poder descomprimir sem nos preocuparmos com os limites do "bom gosto"!
Os papéis de parede desempenham um papel preponderante na definição dos cenários da vida e da carreira da Beth. Foi claro, desde o início, que os iria utilizar de forma tão extensiva ou a decisão evoluiu com o tempo?
Não, não foi nada claro. Inicialmente, abordámos as filmagens como sempre fazemos. No entanto, depressa nos apercebemos que, para os quartos de hotel e para muitos outros cenários, os papéis de parede seriam uma ótima solução, pelo que estes se tornaram progressivamente cada vez mais proeminentes. Quando procurámos o papel de parede para a casa dos pais da Beth em Lexington, ficámos um pouco loucos. Comprámos uma série de papéis de parede históricos numa loja em Colónia que, infelizmente, já não existe. O papel de parede do quarto da Beth é contemporâneo, mas achámos que o padrão axadrezado era perfeito como homenagem ao tabuleiro de xadrez. Como queríamos retratar o carácter lúdico e romântico da mãe adotiva da Beth, usámos deliberadamente papéis de parede florais na casa, proporcionando um contraste com a sua vida familiar longe de ser harmoniosa. Foi muito divertido estar constantemente a procurar e a encontrar modelos completamente diferentes e foi assim que surgiu a loucura excessiva dos papéis de parede!
Que fatores influenciam a sua escolha de papéis de parede para diferentes locais da série, como a autenticidade da época, a personalidade das personagens ou elementos temáticos?
A regra é que cada papel de parede se deve enquadrar no período que planeamos representar. Obviamente, pode ser sempre mais antigo, uma vez que poderia ter sido aplicado na parede há muito tempo, mas permitimos algumas exceções. Por exemplo, no apartamento partilhado de Eileen e Barbara, onde Beth arruma a casa na manhã seguinte à festa, escolhemos propositadamente um papel de parede que fazia lembrar o design dos anos 70. Não era uma correspondência histórica, mas achámos que era muito apropriado para a cena, e por isso tomámos a liberdade de o usar. O nosso conceito de cor e a escolha de papéis de parede e mobiliário deram a cada local da série o seu próprio estilo. O México, por exemplo, mostra-se colorido e floral, enquanto que Moscovo se revela muito rigoroso, geométrico e sem cores vivas, etc.
Houve alguns materiais ou texturas de papel de parede específicos que consideraram particularmente eficazes para transmitir a estética pretendida?
Os padrões gráficos interessantes e de alto contraste foram os nossos favoritos. Adoramos materiais sobre os quais os nossos pintores de cenários possam continuar a trabalhar, como por exemplo, cobrindo-os com uma solução de água e cola para que a superfície se rache e rasgue.
Pode-nos explicar a logística da incorporação de papéis de parede nos cenários? Como é que se certificaram de que complementavam o esquema geral do design?
A forma como abordamos cada cenário pode ser muito diferente. Por vezes, há um tema, um chavão, ou um lema, outras vezes é uma peça de mobiliário ou um candeeiro que desperta o meu interesse e que decidimos usar como guia de orientação para a definição do espaço. Também pode acontecer que um papel de parede sirva como primeira ideia de design, como nos cenários de Las Vegas no "Gambito de Dama", em que o padrão de diamantes por cima da cama no quarto de hotel acabou por ser o elemento-chave para o departamento de arte desenvolver o cenário.
Pode explicar melhor o processo de implementação física dos papéis de parede no cenário, incluindo quaisquer técnicas ou considerações envolvidas?
Os papéis de parede têm de ser aplicados no local com bastante antecedência, uma vez que têm de ser colocados primeiro pelos pintores, mas também pintados várias vezes com esmaltes de cores diferentes. Os múltiplos esmaltes dão-lhes pátina e uma profundidade espacial que os faz parecer antigos. Isto é extremamente importante para séries e filmes históricos. Se retratarmos um bairro pobre, o papel de parede é por vezes colocado primeiro e depois parcialmente arrancado ou "reparado". Por vezes, temos de alterar algumas das cores do papel de parede através de diferentes esmaltes, porque, caso contrário, a parede fica demasiado clara e pode acontecer que um padrão de pavão cor-de-rosa se transforme subitamente num verde escuro. Preferimos trabalhar com superfícies mais escuras para que o foco permaneça nos atores, além de permitir que a câmara crie maiores contrastes e uma iluminação mais dramática.
Que comentários ou reações receberam sobre a cenografia e a utilização de papéis de parede no "Gambito de Dama"?
Foi simplesmente incrível, nunca tínhamos tido uma reação assim antes! Conquistamos o Art Directors Guild Award, o SDSA Award (Set Decorator Association of America) e um Emmy pelo nosso trabalho na série "Gambito de Dama". Foi, sem dúvida, uma experiência única e é ótimo receber o reconhecimento pelo nosso trabalho. O engraçado é que, como o meu chefe Uli Hanisch me disse uma vez, abordámos este projeto como sempre o fazemos, com atenção aos detalhes e um desejo de combinações invulgares e loucas.
Notou alguma tendência ou mudança nas expectativas do público em relação à cenografia e à estética interior nos últimos anos?
Penso que as expectativas do público são agora mais elevadas. Hoje em dia, ninguém quer ver cenários mínimos que se possa dizer que foram construídos em estúdio. Se a cenografia, os figurinos e a maquilhagem se complementarem e se interligarem com a história, então é possível levar o público numa grande viagem.
Na sua perspetiva, o que faz do papel de parede uma ferramenta tão poderosa para contar histórias visuais em televisão?
Um único papel de parede pode revelar muita informação. Pode ter estado na parede durante muitos anos antes de a nossa história acontecer, pode dizer ao público se quem lá vive é rico ou pobre, se o espaço se encontra habitado ou abandonado. Pode estar aplicado na parede, bolorento e estragado, ou pode ser colocado num ambiente de luxo com uma esplêndida iluminação de parede. Por falar nisso, a iluminação de parede é a melhor forma de definir o cenário para o papel de parede, uma vez que cria ilhas de luz que, em combinação com as áreas não iluminadas, formam um fundo emocionante para os protagonistas do filme.
Há algum projeto futuro em que esteja entusiasmada por explorar novas possibilidades com papéis de parede na cenografia?
Com certeza. É muito provável que comecemos a 5ª temporada de Babylon Berlin no final do verão e os papéis de parede continuarão aí a desempenhar um papel importante.
Se quiser saber mais sobre o papel fundamental desempenhado pelos papéis de parede na série "Gambito de Dama" e como recriar esse aspeto icónico na sua própria casa, consulte o nosso artigo aprofundado: Uma viagem visual pelos papéis de parede do "Gambito de Dama".